quinta-feira, 29 de maio de 2008

"Salvador está na contramão da história"

Saymon Nascimento, do A TARDE On Line
O professor doutor Juan Moreno Delgado é coordenador do curso de Urbanismo da Universidade do Estado da Bahia. Peruano de nascimento, mora em Salvador há seis anos, e dedica-se à pesquisa de políticas de transporte e de uso do solo. Preocupado com o destino da "nossa cidade" - como ele se refere à capital -, Delgado disse, em entrevista ao A Tarde On Line, acreditar que a organização da cidade em pólos centralizadores vai contra a tendência mundial, e que essa concentração urbana pode levar Salvador à insustentabilidade. Confira:

A TARDE On Line - O senhor defende a idéia de que Salvador está crescendo de uma maneira oposta à sustentabilidade. O que quer dizer com isso?

Juan Delgado -
Estamos na contramão da história. A tendência mundial é construir cidades descentralizadas, que são sustentáveis e têm uma relação harmônica com o ambiente. Salvador é uma cidade fortemente centralizada. Isto se pode perceber na região das avenidas Tancredo Neves e ACM, no Iguatemi, onde temos uma grande concentração de atividades urbanas, comércio, serviço e grandes empregadores. o que provoca um grande número de viagens de carro. A maior freqüência de ônibus urbanos da cidade também está nesse eixo - são mais de 500 no sentido centro por hora, nos momentos de pico.

On Line - Como essa concentração afeta a sustentabilidade?

JD -
Uma cidade como a nossa, que tem uma rede viária vulnerável, ruas estreitas, relevo topográfico complexo e difícil não pode ter como opção fortalecer o transporte privado - os carros. É isso que acontece quando se aprova a construção de shoppings e complexos habitacionais de maneira concentrada. O pior é que nessa área do Iguatemi teremos em breve cinco shoppings de grande porte, que vão causar impactos ambientais num curto prazo. A cidade não vai suportar as viagens de carro provocadas por esses shoppings. Os shoppings estão fortemente articulados com a cultura do carro e isso vai reforçar a centralidade de Salvador. Isso só acontece aqui porque não há articulação entre política de transporte e política de uso do solo. Não se pode aprovar nada sem a avaliação do impacto no complexo viário.

On Line - O que se deve fazer então?

JD -
A cidade deve promover o transporte coletivo de massa e alta capacidade: metrô, corredores de ônibus, trens urbanos. Estamos fazendo o contrário, promovendo meios de transporte de baixa capacidade, que consomem muito espaço para transportar uma pessoa por vez. Os danos provocados pela saturação de carros são percebidos em três aspectos: maior perda de tempo, maior gasto de energia - e com isso, poluição -, e desperdício no uso do espaço. Por isso temos que restringir o uso de carros em Salvador.

On Line - O senhor defende o rodízio, como o adotado em São Paulo?

JD -
Não, o rodízio mostrou não ser adequado à realidade sulamericana. Precisamos de uma política de restrição ao uso de carros por meio de taxas. Em áreas centrais, de maior congestionamento, o carro paga pedágio para passar. O dinheiro arrecadado financia o transporte público. Há variações: pode-se favorecer, em corredores especiais, o uso do carro com maior capacidade. Desse jeito, carros com dois ou três passageiros pagam menos taxas do que aquele que só serve a uma pessoa. Do mesmo jeito, nos shoppings, o estacionamento não pode ser gratuito, porque isso incentiva as pessoas a usarem o carro e não o transporte público. No mundo todo, isso já está em prática, mas não aqui. O uso indiscriminado do carro cria problemas ambientais, invade o espaço do pedestre, do ciclista e motociclista.

On Line - Os problemas de tráfego não poderiam ser resolvidos com grandes obras viárias?

JD -
Obras voltadas para transporte privado só reforçam o uso do carro e Salvador tem problemas graves nesse sentido. A rede viária é incompleta, tem vários problemas de falta de conexão e falta de caminhos alternativos. Não há, por exemplo um caminho rápido da orla da baía de Todos os Santos para a orla atlântica. Em várias interseções estratégicas da cidade deveriam se construídos rotatórias e trevos. Ainda assim, toda essa infraestrutura nova deve ser montada exclusivamente para ônibus, de massa. Os problemas de Salvador não requerem apenas soluções tecnológicas, requerem trabaho do espaço urbano. Temos viagens urbanas de uma hora, uma hora e vinte minutos. Uma cidade planejada minimiza o tempo perdido.

On Line - Em que medida o senhor acha que o projeto do metrô pode ajudar a melhorar o tráfego da cidade?

JD -
Só haverá melhora nas condições de sustentabilidade da cidade na medida em que as pessoas deixem de usar os módulos de menor capacidade, como o carro, para usar o metrô. A grande barreira para o sucesso do metrô em Salvador é a microacessibilidade. Como resolver de que forma os pedestres, usuários de carro, etc, vão chegar às estações e usufruir as vantagens dessa estrutura? Por exemplo: como um morador de Vila Laura vai chegar à estação da Rótula do Abacaxi? Essas questões operacionais ainda não foram discutidas com a comunidade, ou com os foros técnicos.

On Line - Como resolver essa questão?

JD -
Para melhorar a microacessibilidade, numa cidade com o relevo tão acidentado quanto Salvador, é preciso articular as vias de vale com as vias mais elevadas. Uma rede de planos inclinados e elevadores seria fundamental para solucionar esses problemas de Salvador, não apenas na região do metrô. Por exemplo, não há comunicação entre as avenidas Dom João VI e Ogunjá. As pessoas poderiam caminhar e evitar pegar mais um ônibus. Os planos inclinados são mais ecológicos, ambientalmente corretos.

On Line - Qual a sua avaliação do PDDU?

JD -
Eu acho que as propostas para a rede de transportes de Salvador não foram amplamente discutidas, nem com a comuidade, nem com os especialistas. A equipe de planejamento do PDDU deveria ter fornecido cenários para serem analisados, com diversas combinações de transporte que poderiam ser implementados em Salvador a curto prazo. O PDDU foi aprovado e não temos um panorama da gestão e da infra-estrutura da cidade, ou dos modelos de expansão urbana. Primeiro você define os conceitos, mas o PDDU foi aprovado cláusula a cláusula. A organização espacial descentralizada que a cidade precisa nunca foi discutida, muito menos o sistema de transporte adequado a esse modelo. Não sou intimista em relação ao PDDU justamente porque não integraram as políticas de transporte às políticas de uso do solo.

On Line - Qual a conseqüência do aumento do gabarito da Orla para o transporte urbano de Salvador?

Jd -
Levantar o gabarito da Orla vai criar um grande pólo gerador de viagens individuais de carro, porque muito mais gente vai morar por lá. As vias da orla e as tranversais já estão saturadas, e não têm capacidade para absorver esse aumento. Sem contar com o impacto na vida das pessoas que moram em Itapuã, ou Piatã, que são regiões densas. Eles vão enfrentar muitos problemas com engarrafamento. O problema disso tudo é que não dá para fazer propostas de grande impacto na cidade sem dados sérios, sem pesquisa. Em relação ao transporte, por exemplo, a última pesquisa de origem-destino é de 1995. Esse levantamento mostra as viagens das pessoas e movimentação delas na cidade, e é necessário quando se pensa o plano viário.

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