domingo, 11 de maio de 2008

Canteiro de obras e congestionamentos

Explosão imobiliária na Paralela pode transformar via expressa em um dos piores locais para se trafegar em Salvador
Alexandre Lyrio - Correio da Bahia

O que foi planejado para ser uma das principais artérias de escoamento de tráfego em Salvador não passa hoje de um estreito e embaraçado gargalo de passagem de veículos. Pior: em uma projeção futura, a circulação pela já apertada Avenida Luiz Viana Filho, a Paralela, tende a se tornar insuportável. Às margens da via se constróem atualmente nada menos do que 28 grandes empreendimentos residenciais, segundo números da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi). Se multiplicado o total de 3.874 novas unidades habitacionais, previstas para serem entregues até 2010, com a média de dois carros por família, estima-se que a via receba um incremento de 7.748 veículos em dois anos. Enquanto a construção de viadutos e o próprio metrô são apontados pela prefeitura como soluções do novo plano diretor, urbanistas e especialistas em engenharia de tráfego criticam duramente as saídas apontadas para desafogar o trânsito no local.
Concebida no final da década de 1960, ainda na gestão do então prefeito Antonio Carlos Magalhães, a Paralela serve para a circulação diária de algo em torno de 250 mil veículos. O número corresponde a mais de um terço de toda a frota de 600 mil automóveis de Salvador. A lentidão maçante de uma pista classificada como via expressa, onde os carros deveriam circular em alta velocidade, não chega mais a surpreender os usuários, principalmente nos horários de pico. Mas o novo volume de veículos que passará a circular pela região pode trazer sérios impactos ao já ultrapassado sistema viário.
Uma via expressa como a Paralela não deveria sequer sustentar interseções em nível, como são as avenidas Orlando Gomes e Jorge Amado. Os próprios retornos também são considerados abomináveis. Mas há um problema ainda mais grave, que extrapola os contornos da via e está mais relacionado ao ordenamento territorial. A última lei de uso do solo do município data de 1984. Defasada, não leva em conta os estudos de impacto. Um dos mais respeitados urbanistas de Salvador, o professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Luiz Antônio de Souza enxerga na construção desordenada de empreendimentos às margens do corredor viário um irresponsável processo de organização e estruturação do território.
A única e melancólica previsão do especialista é de completo e irreversível caos, sem solução através de medidas paliativas. “A Paralela é um exemplo de que Salvador deixou de ser pensada. O que se está implantando ali são grandes geradores de tráfego, enquanto poderia se pensar em áreas de lazer, escolas e até postos de saúde”, sugere. Para Luiz Antônio, Salvador deveria ser pensada do ponto de vista urbanístico e não imobiliário. “É uma forma avassaladora e gratuita de uso do solo. O PDDU é um grande absurdo. Está se atendendo apenas aos interesses privados. E a cidade?” questiona.
A densidade populacional e automotiva acrescida pelos novos empreendimentos apenas somam-se aos problemas trazidos pelas inúmeras faculdades, supermercados, parques de exposições e Wet´n Wilds da vida, que já contribuem para a obstrução do tráfego. Alguns deles fazem surgir estacionamentos improvisados nos canteiros centrais e laterais. Na velocidade com que os novos e imensos esqueletos de argamassa e vigas de ferro surgem sobre as áreas de mata atlântica, a capital baiana começa a ganhar status de paulicéia. Não no que diz respeito ao caráter de desenvolvimento, mas sim em relação ao trânsito. “Estamos longe de ser uma metrópole como São Paulo, mas muito perto de termos um trânsito comparável ao da maior cidade do país”, prognostica Luiz Antônio de Souza.
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GIGANTES DE CONCRETO
Somente até 2010, já estão previstas a edificação de quase três dezenas de gigantes de concreto na Avenida Paralela. Os números da Ademi não levam em conta a construção de casas, edifícios comerciais e instituições de ensino, como shoppings e faculdades. Mas nada cresce em ritmo tão acelerado quanto a demanda por enormes prédios residenciais, principalmente os condomínios habitacionais de luxo. Confira alguns empreendimentos.
SHOPPING PARALELASerão 350 lojas, seis salas de cinema e 2.400 vagas cobertas de garagem.
ALPHAVILLE SALVADORO empreendimento da Alphaville Urbanismo dispõe de 432 lotes onde podem ser construídos casas e prédios. Segundo a Associação de Moradores, 97 casas já estão habitadas e outras 72 estão em construção. Doze prédios vinculados a cinco construtoras diferentes começam a se erguer, e novos lançamentos são anunciados.
ALPHAVILLE SALVADOR 2 O novo condomínio começa a sair da planta. O projeto conta com 528 lotes residenciais, 17 comerciais e cinco lotes para prédios residenciais. Quando tudo estiver pronto, a estimativa é abrigar 2.240 moradores.
LE PARC
O empreendimento da Cyrela/Andrade Mendonça terá 1.142 apartamentos distribuídos em 18 torres.
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SET aposta em vias marginais
Um plano funcional aprovado em decreto-lei de 2002 é o “trunfo” da Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET) para desobstruir a circulação dos carros na Paralela. O decreto 12.758 prevê que os novos empreendimentos que serão instalados na via sejam obrigados a construir acessos especiais aos imóveis, as chamadas vias marginais, com pouco mais de 9m de largura. A gerente de Planejamento da SET, Gisnaia Sampaio, espera que, no futuro próximo, toda a extensão da avenida seja alargada por margeamento, como já acontece em trechos como na altura do supermercado Extra e do antigo prédio do Correio da Bahia.
O recém-inaugurado Salvador Shopping teria implantado o sistema viário previsto no mesmo plano funcional. “Como você vê, ali as vias marginais deram certo. Não há motivos para alerta. Temos, sim, planos eficientes para a Paralela”, assegura Gisnaia. O urbanista Luiz Antônio de Souza discorda. Na sua visão, implantar as vias marginais é adequar a cidade aos empreendimentos, quando deveria ocorrer o contrário. “Alargar a via não adianta, porque logo na frente tem um gargalo. O motorista desacelera para entrar e para sair”, ensina. Por enquanto, a SET tem apostado mesmo em medidas paliativas, a exemplo do fechamento diário do retorno nas proximidades do supermercado Extra, entre às 6h30 e 9h.
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Principal vetor de crescimento
A Paralela é hoje o principal vetor de crescimento de Salvador. Em resposta aos críticos da explosão de imóveis no local, a própria Ademi diz não saber apontar para que outra direção a cidade poderia avançar, e responsabiliza o poder público pela falta de planejamento. “Salvador cresce uma Feira de Santana a cada dez anos. Para onde eu vou mandar essas pessoas? Para a Barra? Para a Graça? Se a prefeitura não realiza obras pesadas de infra-estrutura, só posso construir na Paralela”, conclui um dos conselheiros e ex-presidente da associação, Luiz Augusto Amoêdo.
“É o desenvolvimento”, define Antônio Andrade Mendonça Jr., diretor da Andrade Mendonça, quando perguntado sobre os impactos do Le Parc no sistema viário da Paralela. O empreendimento é fruto da parceria com a empresa paulista Cyrela.
“Vamos construir outros 600 apartamentos residenciais ao lado das Faculdades Jorge Amado”, anuncia. No Imbuí, outras 1.320 unidades habitacionais são construídas no momento. Isso sem se levar em conta o “Novo Imbuí”, que ainda não saiu da planta, mas prevê a construção de 12 torres, num total de 960 unidades habitacionais.
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HORÁRIOS CRÍTICOS
A SET aponta os horários e os locais onde se concentram os congestionamentos na Avenida Paralela. Segundo o órgão, entre às 7h15 e às 9h, e entre às 17h30 e 20h, todo o tráfego da via fica complicado, especialmente a partir do Posto 2, sentido aeroporto, até o final da via.
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Viadutos desatariam nós viários
Tendo em mãos o novo Plano Diretor de Desenvolvimendo Urbano(PDDU) da cidade, o coordenador de Desenvolvimento da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplam) parece ter os mapas e segredos para desatar os nós viários da Paralela. Fernando Teixeira estende sobre a mesa a cartografia do futuro de Salvador, com a maior escala possível da Luiz Viana Filho. Além das previstas vias marginais, a construção de viadutos e a instalação da linha 2 do metrô são apontados como as formas mais eficientes de eliminar os congestionamentos.
Atualmente, a Paralela é equipada pelos viadutos Luís Eduardo Magalhães, Dona Canô e os viadutos do CAB e da primeira rótula do aeroporto. O novo plano prevê a construção de pelo menos mais três desníveis que cortarão o corredor viário. O primeiro ligaria as avenidas Jorge Amado e Edgard Santos. Outro faria a ligação entre a Orlando Gomes e a futura Avenida 29 de Março, que desemboca na BR-324. Há também a previsão de ampliação do viaduto Dona Canô, unindo definitivamente as avenidas Pinto de Aguiar e Gal Costa. O chefe do Departamento de Transporte da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Élio Santana Fontes, considera os viadutos uma solução ultrapassada. “Os viadutos são obras caras que enfeiam a cidade. Não resolvem a longo prazo”, decreta.
O urbanista Luiz Antônio de Souza emenda: “O viaduto é um aleijão. Ou ele surge dentro de um projeto maior, ou ele vai funcionar como prótese. Nada mais tosco para a arquitetura”. Mas o próprio coordenador da Seplam admite que as reformas viárias devem vir acompanhadas de profundas transformações no sistema de transportes de alta capacidade. Aí entraria o esperado e cada vez mais distante metrô de Salvador, “empacado” ainda na primeira etapa das obras. Indutor de desenvolvimento urbano, o meio de transporte facilitaria a circulação. Mas o próprio Élio Santana Fontes reconhece que as obras têm sido muito lentas e não acompanham o desenvolvimento urbano da via. “Além do mais, você não pode colocar o metrô como a solução para um problema que é de uso do solo”, reflete.

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