quinta-feira, 1 de maio de 2008

Aula de preconceito

Declarações polêmicas podem tirar o professor Natalino Dantas da coordenação do curso de medicina da Ufba
Alan Rodrigues
As polêmicas declarações do coordenador do curso de medicina da Ufba, Antônio Natalino Manta Dantas, publicadas ontem no jornal Folha de S. Paulo, causaram enorme repercussão na comunidade acadêmica, nos setores mais representativos da cultura afro na Bahia e até no Senado Federal. O reitor da instituição, Naomar Almeida, assinou requerimento pedindo afastamento do professor do cargo que ocupa na Faculdade de Medicina, que festeja o bicentenário este ano e é a mais antiga do país.
A congregação da unidade se reunirá na próxima terça-feira, às 8h30, para avaliar a situação. Antes, na segunda, às 9h, no Terreiro de Jesus, o tema também deve ser abordado na assembléia envolvendo dois mil alunos, 202 professores e 57 funcionários, que foi convocada pelo diretor da unidade, José Tavares Neto, para debater originalmente o desempenho no Enade.
Aos 69 anos, Antônio Natalino é o mais antigo professor em atividade na Faculdade de Medicina – há 42 anos integra o corpo docente. O professor demonstra tranqüilidade e indiferença diante da possibilidade de deixar a vida acadêmica. “Se estiver causando mal-estar, eu saio. Estou aqui fazendo um favor, poderia estar aposentado e ganhando a mesma coisa”, afirmou Natalino, que, independentemente de requerer a aposentadoria, deve encerrar sua atividade este ano na faculdade, quando atingir a idade-limite de 70 anos.
Tranqüilidade idêntica é exibida pelo professor ao reiterar ao Correio da Bahia todas as declarações que causaram tamanha indignação e acusações de racismo. Natalino afirma que um dos motivos do baixo desempenho dos alunos da Ufba no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) – que classificou a faculdade entre as 17 piores no ensino de medicina do país –, é a inferioridade intelectual, o “baixo QI” dos baianos.
Segundo ele, o Enade traduz fielmente o perfil do aluno da faculdade. “A prova do Enade não é de conhecimentos médicos, é sobre uma visão geral de saúde e medicina e a capacidade do aluno de discernir sobre isso”. Para o coordenador, a repetição do baixo índice de desempenho – a faculdade já havia sido reprovada em 2004 –, evidencia a fragilidade intelectual do alunado. “É o segundo resultado ruim, e não foram as mesmas pessoas avaliadas. Isto traduz um problema local, a escola não tem muita influência”. Ele completou taxativo: “Uma pessoa de QI alto não teria um resultado tão baixo”.
Racismo - Especializado em cirurgia torácico-vascular, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), Natalino acredita que as notas obtidas no Enade estariam “contaminadas pelos cotistas”. Não contente, ataca a cultura afro, de forte presença na Bahia. Para ele, o som do Olodum, conhecido internacionalmente, “não é música”, e o berimbau, por possuir apenas uma corda, “é um instrumento típico de quem tem poucos neurônios”.
Sobre o sistema de cotas (veja box), Natalino classifica os contemplados como “pessoas de baixo rendimento escolar” e lança uma dúvida sobre os resultados das primeiras turmas de cotistas, que apresentaram notas acima da média. “A Ufba foi pioneira nas cotas e tem interesse em mostrar resultado. Isso pode ser mascarado. Por que não tem cotas para japonês e coreano? Porque eles passam nos primeiros lugares”.
Questionado sobre a conotação racista que poderia ser atribuída às suas declarações, o professor foi enfático: “Não sou racista”. Entretanto, expõe suas restrições à etnia africana, sem qualquer constrangimento: “A cultura baiana é muito primitiva”.
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SISTEMA DE COTAS
Categoria A (36,55%): Candidatos de escola pública que se declararam pretos ou pardos
Categoria B (6,45%): Candidatos de escola pública de qualquer etnia ou cor
Categoria C (2%): Candidatos de escola pública que se declararam índio-descendentes
Categoria D (55%):Todos os candidatos, qualquer que seja a procedência escolar, e a etnia ou cor
OBS.: Não sendo preenchidas todas as vagas das categorias A e B, elas são prioritariamente preenchidas por candidatos de escola particular que se declararam pretos ou pardos. Permanecendo vagas abertas, elas são preenchidas por candidatos com inscrição da categoria D.

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