domingo, 25 de maio de 2008

Lei é o primeiro passo para combater insegurança alimentar na Bahia

Marta Erhardt, do A TARDE On Line

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“Já passei três dias sem nada para comer, nem farinha. Como sou cristão, orava para a fome passar”. O relato é de Manuel Marcena da Silva, 54 anos, que vende peças de bicicletas usadas debaixo de um viaduto nas proximidades de Águas Claras, na Avenida Suburbana. Ele acredita que hoje passa por situação melhor, mas nem sempre consegue comprar comida com o que ganha. “Vendo no máximo R$20 por dia, mas às vezes fico até três dias sem vender”, conta.

Assim como Manuel, mais de 1,8 milhão de baianos sofrem com o quadro de insegurança alimentar grave. Na Bahia, 50,2% da população é afetada com algum grau de insegurança alimentar nos níveis leve, moderado e grave. Com este índice, o estado ocupa a décima colocação no ranking brasileiro.

Joana de Jesus, 45, também engrossa a estatística do IBGE. “Tem que apertar de manhã para poder ter o que comer de noite”, relata a senhora que mora na ocupação de sem-teto na Avenida Carlos Gomes e sobrevive com a venda de água mineral, como ambulante. Uma amiga de Joana, que preferiu não se identificar, também enfrenta o problema. “Acontece de não ter nem o que dar para minha filha de cinco anos. Mas também chegam doações, que nem sabemos de onde vêm. Parece que é Deus mesmo”, conta.

Na tentativa de combater o problema que atinge baianos como dona Joana e sua amiga, foi sancionada, nesta semana, a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional (nº17.092/08), que cria o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Após a sanção da lei, será formulado um plano de realização de programas e ações articulados para a superação dos índices de insegurança alimentar e vulnerabilidades sociais no estado.

Dentre os itens abordados pela lei, estão a garantia do alimento em quantidade e qualidade suficientes para a população, o fortalecimento da agricultura familiar, a reforma agrária e demarcação de terras, o acesso à água de qualidade, a alimentação escolar saudável e a geração de trabalho e renda para as comunidades vulneráveis.

As diretrizes foram estabelecidas em processos de consulta na Terceira Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional realizada em 2007, segundo explica o presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da Bahia (Consea-BA), Carlos Eduardo Leite. “Conferências regionais foram realizadas e estes processos de reflexão apontaram as prioridades para a política que será desenvolvida”, pontua.

Outro ponto destacado por Leite é a regulamentação do Consea, que tem como função propor ações e políticas públicas além de fazer o controle social. “O conselho está atento às ações e programas implementados pelo governo e colocamos alguns pontos que precisam ser aprimorados”, conta.

O Secretário de Desenvolvimento Social e combate à Pobreza, Valmir Assunção fala sobre a importância no enfrentamento desta situação. “É o início da criação de um sistema no estado. Precisamos garantir alimentos em quantidade e qualidade para a população. O maior desafio é fazer com que as prefeituras absorvam esse assunto como importante e trabalhem junto com o governo no convencimento das lideranças da sociedade civil para a construção deste sistema”, enfatiza. Assunção também ressalta que a lei foi elaborada com a participação da sociedade civil organizada, por meio do Consea.

Já o membro do Consea nacional, Francisco Menezes destaca a relevância da lei num momento em que o mundo discute a questão da produção de alimentos. “A lei sancionada mostra claramente como o assunto deve ser tratado. O alimento não deve ser visto apenas como mercadoria. A alimentação é um direito humano e este deve ser o foco principal de atuação” ressalta.

Intersetorialidade - Um grupo de governo com representantes de pastas relacionadas à segurança alimentar – como as áreas de saúde, educação e agricultura - será criado, de acordo com Leite. “O grupo vai desenvolver, promover e articular a integração dos órgãos. É este grupo que vai operar a política dentro do governo”, afirma.

O sistema terá como princípio a articulação de ações já realizadas pelo governo, explica a Superintendente de Inclusão e Assistência Alimentar, Ana Torquato. “A integração das ações também vai otimizar os recursos destinados a estes programas”, pontua. O orçamento para gestão do Sisan está pulverizado em diversas pastas envolvidas em ações de combate à insegurança alimentar. Os recursos estão previstos no Plano Plurianual (PPA) 2008/2011.

Entre as ações apontadas por Ana Torquato estão os restaurantes populares, que em Salvador servem diariamente 4,3 mil refeições; e o programa Nossa Sopa, que atinge 300 municípios do estado. O programa é coordenado pelas voluntárias sociais em parceria com a Ebal e envolve a distribuição de sopa para entidades de assistência social e população de rua.

Ana Torquato destaca ações de programas realizados em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), como o Programa do Leite Fome Zero, que atende – em 162 municípios - 100 mil crianças com idade entre 2 a 7 anos, que estudam nas redes municipais de ensino e integram famílias com renda de até meio salário mínimo per capta.

"Com este programa temos dois públicos prioritários. Além de fornecer o leite às crianças, o produto fornecido é adquirido com pequenos produtores de leite locais, com produção de no máximo 100 litros por dia. Mas a prioridade é para aqueles que produzem até 30 litros por dia. Desta forma, também garantimos renda para o pequeno produtor", destaca.

Outro programa que tenta minimizar os problemas da população é o Água para Todos, que engloba entre suas ações a construção de cisternas. De acordo com a Superintendente de Inclusão e Assistência Alimentar, até 2011 deverão ser criadas 100 mil cisternas na Bahia, em parceria com o MDS e Articulação do Semi-Árido (ASA). Até o meio deste ano cerca de 12 mil cisternas devem ser construídas. Do total, 1 mil são cisternas de produção, que vão favorecer a produção agrícola.

“O acesso à água é importante para auxiliar no combate à insegurança alimentar. Para favorecer a economia destes locais, a mão de obra utilizada é de pedreiros destas comunidades. Além disso, agentes comunitários serão envolvidos na capacitação das famílias, que vão aprender sobre o uso racional da água e os cuidados que devem ser tomados para lidar com este recurso natural”, destaca Ana Torquato.

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