quinta-feira, 1 de maio de 2008

Ministério Público Federal notifica professor da Ufba

Ele pode ser enquadrado na Lei do Racismo
Flávio Novaes - Correio da Bahia
O Ministério Público Federal notificou ontem o professor Antônio Natalino Manta Dantas, iniciando a apuração sobre as afirmações de uma suposta inferioridade intelectual do povo baiano e de algumas de suas manifestações culturais, como o uso do berimbau. O coordenador do curso de medicina da Ufba terá dez dias úteis para prestar esclarecimentos sobre as declarações que sugerem conteúdo discriminatório e que ganharam repercussão nacional. Porém a resposta poderá ser feita por escrito e não há a obrigação de Dantas comparecer à sede do Ministério Público.
O caso pode render ao coordenador o enquadramento na Lei 7.716 – que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor –, conhecida como Lei do Racismo. O Artigo 20 prevê para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” pena de reclusão de um a três anos, além de multa. “Mas por ter usado meios de comunicação para o seu pronunciamento, a lei prevê uma pena de reclusão de dois a cinco anos e multa”, afirma o procurador da República Vladimir Aras, que atua como procurador regional dos direitos do cidadão substituto.
O procurador disse que estava dirigindo o seu veículo quando ouviu a entrevista em uma rádio da cidade, ainda na manhã de ontem. “Resolvi agir de ofício (sem ser provocado), mas é necessário ouvi-lo antes para que ele se explique”, afirmou.
Além da atitude racista, considerada “grave” pelo procurador, Natalino Dantas tem situação agravada em virtude de ter falado como um servidor público federal, e não como um simples cidadão. “Ele concedeu a entrevista exercendo a função de servidor público ao explicar o desempenho dos estudantes do curso de graduação em medicina da Ufba no Enade”, lembra Aras.
Segundo o procurador, mais três processos podem ser gerados. “Um por eventual improbidade, outro por danos morais aos estudantes cotistas, acusados de terem baixo QI, além de um processo disciplinar propriamente dito”, explica. “Nestes três casos vamos trabalhar ao lado da Reitoria da universidade”, completa. Também haverá troca de informações com a Ufba sobre a possível instauração de uma sindicância ou processo administrativo disciplinar, além da possibilidade de afastamento preventivo do professor.
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Senado repudia ‘ofensa aos baianos’
Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e a bancada dos senadores da Bahia repudiaram ontem as declarações do coordenador do curso de medicina da Ufba, Natalino Dantas, consideradas “ofensivas ao povo baiano”. O debate foi iniciado pelo senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), que considerou o fato “puro preconceito e pura discriminação racial”, e as afirmações de Natalino “ofensivas, preconceituosas, e desrespeitosas”. Ele e o senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a comissão, apresentaram voto de repúdio. Paim também manifestou solidariedade ao povo baiano. “Racismo é crime, não prescreve e ele precisa ser processado”, disse Paim.
Em nome da bancada baiana, o senador Antonio Carlos Júnior (DEM-BA) considerou a afirmação revoltante e exigiu do reitor da Ufba, Naomar Almeida, a demissão imediata do coordenador. “Ele foi racista e preconceituoso, se eximindo das responsabilidades do curso que ele coordena, do mau desempenho aferido durante o Enade”, declarou. Para ACM Júnior, as palavras de Natalino não podem manchar a reputação da Ufba, “a mais antiga do Brasil, que recentemente completou 200 anos”.
Os senadores ACM Júnior e César Borges (PR-BA) apresentaram requerimento de voto de censura às declarações do coordenador. César também considerou inadmissível a atribuição do mau desempenho da Faculdade de Medicina da Ufba ao coeficiente de inteligência dos alunos. O curso obteve nota 2 no conceito Enade e no Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD), em uma escala de 1 a 5. “As declarações ofendem os baianos, os brasileiros e todos nós que queremos um país igualitário em todos os sentidos”, avaliou César Borges. Os senadores Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Mão Santa (PMDB-PI) e Serys Slhessarenko (PT-MT) também se associaram às ma-nifestações.
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Wagner: ‘Surto de imbecilidade’
A indignação que tomou conta de Salvador após as declarações do professor Natalino Dantas também foi compartilhada pelo governador Jaques Wagner, que definiu as polêmicas declarações como um “surto de imbecilidade”. Em Maceió, onde participa do 7º Fórum de Governadores do Nordeste, Wagner classificou a postura do professor de preconceituosa. “A declaração é de uma imbecilidade ímpar, condenável sob todos os aspectos”, afirmou. O governador conversou com o reitor da Ufba, Naomar Almeida, que solicitou ao colegiado da Faculdade de Medicina o afastamento do coordenador.
A Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado (Sepromi) também repudiou as declarações. “Esse discurso tem base numa política elitista que tem o objetivo de desacreditar medidas governamentais que garantam o acesso à educação, como o sistema de cotas”, diz um trecho do comunicado emitido pelo órgão.
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Olodum: discurso nazista
Alan Rodrigues
O presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, reagiu com veemência às declarações do professor Natalino quanto à primitividade da cultura afro-baiana. Para João Jorge, advogado e mestre em direito público, integrante do corpo docente da Universidade de Brasília, as opiniões externadas pelo acadêmico são “um atentado à democracia e à comunidade negra” e podem ser comparadas ao discurso adotado pelo líder nazista Adolf Hitler. “Quando assumiu o poder na Alemanha, nos anos de 1930, ele também atribuía o atraso do país ao baixo QI de negros, judeus, ciganos e homossexuais”, ressalta.
João Jorge anunciou que vai ingressar com representação criminal junto ao Ministério Público contra Natalino, por crime de racismo e preconceito. Ele reivindica uma retratação pública e o pedido de demissão do cargo. Sobre a qualidade da música do Olodum, lembra que o grupo já gravou o Bolero, de Ravel, com a orquestra sinfônica da Ufba, e tem apresentações agendadas com a Orquestra Sinfônica de Viena.
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Sucateamento e falta de verbas
O vice-diretor da Faculdade de Medicina da Ufba, Modesto Jacobino, refuta a tese, defendida por parte dos estudantes, de que a média obtida no Enade tenha sido provocada por um boicote. “A nota reflete a realidade”, afirma. Para ele, os motivos do baixo desempenho passam pelo estrangulamento orçamentário e o sucateamento do serviço de saúde na universidade. “Não temos campo de prática, o Hospital das Clínicas tem problemas, a Maternidade Climério de Oliveira está sucateada e a administração central ainda aumentou as vagas de 80 para 120 estudantes por ano”.
Jacobino denuncia a precarização do corpo docente, com cerca de metade dos professores contratados em regime temporário na condição de substitutos. Para ele, a solução seria suspender o ingresso de novos alunos – proposta aprovada em 2004 –, para promover uma reestruturação do curso.
Nos corredores da faculdade, ontem, estudantes indignados mal conseguiam acreditar nas palavras de Antônio Natalino Manta Dantas. Renata Reis, 26 anos, aluna do quarto semestre, condenou os comentários do professor. “A atitude dele é preconceituosa, não deveria fazer parte do comportamento de um educador, principalmente frente ao cargo que ele ocupa”. (AR)
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REPERCUSSÃO
“É uma declaração absurda, extremamente racista. Ele está usando isso para camuflar os diversos problemas que levaram ao baixo rendimento no Enade”.
Joana Carvalho22 anos, aluna de medicina da Ufba
“Lastimo profundamente que um professor em fim de carreira tenha feito essas declarações. Acho que ele deve, espontaneamente, pedir para ir embora. Não tem mais clima para ele ficar”.
Modesto Jacobinovice-diretor da Faculdade de Medicina da Ufba
“É lamentável que esse professor fale como coordenador de um curso da universidade pública federal que aprovou, em conselho universitário, a implantação de políticas afirmativas. Ele mostra que é um ponto de resistência a essas políticas”.
Marcos Alessandrocoordenador nacional do Movimento Negro Unificado
“Acho que ele deveria ter respeito com nossos ancestrais que lutaram para preservar essa cultura. Se ele acha o berimbau um instrumento tão simples, que venha e toque. Não é porque tem uma corda só que é simples, isso não se apreende em dois ou três dias, leva anos”.
Cristiane Santos Mirandaprofessora de capoeira, neta do mestre João Pequeno

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