quarta-feira, 21 de maio de 2008

Casa do Rio Vermelho: secretaria aguarda pedido de tombamento

Zezão Castro, do A TARDE
A casa de número 33 da Rua Alagoinhas, onde residiram os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai, se não é a casa da poesia, como o é a de Pablo Neruda, no Chile, por certo já é a casa do romance. Não só pelo que escreveram ali, mas por eles próprios, personagens do romance da vida no palco do mundo. Olhando pelo lado de fora, contudo, nada há de romântico ou poético na sua fachada. Um incipiente estado de degradação se anuncia.

As rachaduras na subida das escadas, junto aos azulejos feitos por Carybé, vão facilitando as infiltrações na parede, que divide as duas escadinhas. Em cima, como um símbolo de boas vindas, o oxê de Xangô, o famoso machado de dois gumes. O busto de um ex-voto, enegrecido na fachada, encarna o sinal evidente de desmazelo. Em contraste, o branco da farta azulejaria exibindo ícones ora religiosos, ora de elementos da natureza se perfila, conduzindo à porta, talhada com símbolos de terra e mar por Calasans Neto. Na parte de dentro, a poeira do tempo e a caliça da telhas cobre os poucos móveis.

A maresia de Janaína enferruja os portões. Já não há aquela profusão de quadros. A casa do romance, a bem da verdade, anda até meio esvaziada. A piscina também. Parte do que lá havia divide-se hoje entre o acervo da Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho, e as Faculdades Jorge Amado, na Paralela.

Pássaros – Barulho dentro da casa (onde até ônibus de turistas parava para ver o dia-a-dia do casal) só se ouve dos micos que, eletrizados, cruzam as ruas pelos fios de postes da Rua Irará, ao fundo, invadem o quintal, bastante arborizado, atrás dos ovos da sabiá e dos bem-te-vis. A noite, o avarandado da casa que foi de avós e netos, serve de pátio para morcegos.

Boa notícia é que a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) aguarda apenas que membros da família, passado o período de luto, possam encaminhar o pedido de tombamento. A garantia foi dada, mais uma vez, pelo secretário Marcio Meirelles. “Acho que a peculiaridade que justificam a preservação seria o fato de ter abrigado a existência do próprio casal”. “A gente já vem conversando, eu, os filhos Paloma e João Jorge, os netos Maria João e João Jorge Filho, que é gestor do projeto” detalha.

Para o pintor Sante Scaldaferri, “a casa de Jorge Amado e Zélia deve ser reformada como está, sem tirar nada, se for cimento, bota, se precisar uma pintura e tal, tem que ficar com tudo dentro que representava ele e Zélia, o modo de viver dos dois. Os livros e outras coisas que fiquem na Fundação Casa de Jorge Amado”. De acordo com ele, a casa foi comprada por Jorge Amado em 1957, na mão do pianista Sebastian Benda, um professor dos seminários de música da Ufba.

“Depois de comprada quem reformou foi o meu amigo Gilberbert Chaves, que foi meu colega na Escola de Belas Artes. A casa não tem, assim, estilo moderno. O Gilberbert não mudou muita coisa, a casa já estava feita mas, depois, Jorge e Zélia, batizaram um filho dele”, relembra Sante, acrescentando as lembranças dos domingos de manhã, quando o casal ofertava queijos e vinhos (e uísque e azeitonas) para os amigos famosos e suas respectivas esposas.

Uma das amigas do casal, a colunista July diz que “a casa já era um museu de lugares por onde eles passaram, um roteiro turístico de Jorge, com coisas do Peru, da Tchecoslováquia, que ela colocava em cada cantinho”. “Na Europa, tem-se o Museu de Picasso; no Chile, a Casa de Neruda, como é que a terra onde Jorge Amado e Zélia Gattai viveram não lhes presta uma homenagem preservando a casa?”.

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