quinta-feira, 17 de abril de 2008

Tráfico e ausência do poder público deixam inseguros estudantes e professores

Escola é refém da violência
Amélia Vieira, do A Tarde

Luís, José, João, Carlos, Renato, Pedro, Paulo*... A lista vai crescendo, feita por uma professora que, puxando pela memória, tenta contar quantos alunos seus morreram nos últimos anos vítimas do envolvimento com o tráfico. Esta é mais uma faceta da violência que afeta muitos estudantes de Salvador, notadamente os da periferia da cidade.
São alunos que somem das escolas e vão engrossar os dados de evasão escolar, quando, na verdade, foram assassinados. A coordenadora do Colégio Estadual Arthur Salles, Valdete Maria Alves de Jesus Silva, há 30 anos professora na escola situada no bairro de Marechal Rondon, contabiliza ao menos 20 estudantes, com idades entre 10 e 18 anos, assassinados desde 2004.
A violência que atinge os jovens na comunidade ultrapassa os portões dos colégios. Há algum tempo, conta Valdete, um grupo de alunos veio para a aula com nada menos que seis armas carregadas. Um funcionário desconfiou ao ouvir um deles comentar: “Hoje vou fazer estrago”. Os mais novos foram retirados às pressas e a polícia chamada. Cinco rapazes fugiram e apenas um foi apreendido com uma arma, mas acabou delatando os parceiros. “Até hoje não sabemos o que eles planejavam”, afirma, intrigada, a coordenadora.
Valdete também já precisou convencer, na base do diálogo, um estudante a entregar-lhe um canivete. “Amanhã venho com outro. Meu pai já disse para não andar desarmado”, argumentou o garoto ao final. Outro jovem, recorda a mestre, vivia distraído e não queria nada com os estudos. Repetia a todo momento para os colegas o seu sonho: ir para o Rio de Janeiro comandar quadrilha, como fazia o seu tio. E na turma, observa a professora, ele já demonstrava seu perfil de líder.
FOTOGRAFÍAS – Outro episódio marcante na vida da profissional, ocorrido há pouco tempo, foi a descoberta de fotos feitas por um grupo de jovens, com a câmara de um celular, no banheiro da escola, onde eles posavam em grupo mostrando armas. Não se sabe se verdadeiras ou de brinquedo. Uma mãe descobriu e, assustada, levou ao conhecimento da direção, que encaminhou o caso à Delegacia do Adolescente Infrator (DAI).
A professora Valdete também já foi ameaçada. Aconteceu há dez anos. Um aluno, que ela desconfiava estar usando drogas, não entrava na sala de aula e vivia em pontos escondidos da escola. Nas tentativas de reintegrá-lo ao grupo, ouviu: “Pode me aguardar lá fora quando sair”. “Tive medo, mas enfrentei. Sem destratar, mas com segurança. Disse que contaria a todos e, se algo me acontecesse, ele seria procurado”, descreve. Este aluno é mais um daqueles que ela soube que foi assassinado devido ao envolvimento com tráfico de drogas.
Esse cotidiano de algumas escolas de Salvador obriga os professores a encontrarem alternativas para não entrar em confronto e manter a sua integridade. “Conheço a clientela e não bato de frente. Sou do sexo feminino, o que me torna um alvo preferencial. E saio da escola à noite. Meu carro fica do lado de fora. Por isso, aprendi a ter jogo de cintura”, explica a professora de biologia Arlinda Maria de Oliveira Siqueira.
Entre suas “estratégias de autopreservação”, está o hábito de dar aulas com as portas abertas, para que seus alunos tenham liberdade de sair e entrar quando querem e, assim, evitar atrito com eles. Arlinda conta que, há algum tempo, as turmas da noite costumavam desparafusar quadros e ventiladores de teto, que eram largados no chão. Eles também retiravam lâmpadas e cortavam os fios da iluminação como forma de sabotar as aulas.
XINGAMENTOS – A violência nem sempre é física. A agressão muitas vezes é verbal, como relata a professora de português Iara Viana. “Já fui xingada. Mas isto também é uma forma de intimidar”, analisa, admitindo que tem temor e sempre procura formas de contornar as situações mais adversas. Os docentes, contudo, fazem questão de ressaltar que uma parcela dos alunos é dedicada e interessada nos estudos.
Entre os alunos violentos, há uma característica comum: famílias desestruturadas e que não dão suporte emocional e de formação de caráter. “Muitas vezes a violência começa dentro de casa e acaba na escola. O que observo nesses 30 anos de escola é que as famílias de afastaram do ambiente escolar. Elas não acompanham o desempenho dos filhos, suas amizades”, comenta Valdete de Jesus Silva.
* Nomes fictícios
Matéria extraída do Atarde on line

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