sábado, 13 de dezembro de 2008

Consumo de crack cresce 140% em Salvador


Deodato Alcântara, do A TARDE

A cena é cada vez mais degradante, entre adolescentes, adultos e até mesmo idosos moradores de rua de Salvador, principalmente os que perambulam entre a região da Calçada (cidade baixa) e o Farol da Barra, incluindo o Centro Histórico. Quase impossível apontar algum deles que não faz uso de crack, a droga cuja circulação cresceu 140% este ano na capital baiana, atingindo várias camadas sociais, segundo o Departamento de Tóxicos e Entorpecentes.



Algumas ruas de Salvador já estão marcadas pelo estigma do crack, tornando-se locais de encontro para os viciados a qualquer hora do dia. Na Rua 28 de Setembro, bem próxima à Praça Municipal onde fica a sede da Prefeitura, é comum ver pessoas com os cachimbos acesos e consumindo a droga desde as 8h até a madrugada. O mesmo acontece na Rua do Gravatá (rua transversal à famosa Baixa dos Sapateiros), onde pessoas de todas as idades perambulam pelos passeios, ou sentam-se nos portais, fumando os cachimbos ou esperando passar o efeito da droga para acender a próxima pedra.



Como se já não fosse tão grave, o problema se expande ao aliar-se a outros, como o furtos, roubos, a prostituição e, em conseqüências mais extremas, ao assassinato e à morte do usuário pela degradação física e mental que a droga causa. Neste quadro cabem personagens diversas, desde os que foram abandonados pelas famílias, os que fugiram de casa por causa do vício e, ainda, os que já seguem a tradição dos antecedentes, mortos pelas drogas.



Prostituição - É o caso de Vanessa Souza Santos, 20 anos, moradora de rua e garota de programa no centro de Salvador. "Nasci e fui criada aqui. Meus pais são da Cidade Nova (bairro de baixa renda da capital baiana), mas morreram por causa do crack", afirmou, em entrevista entremeada por pedidos de "um real". Vanessa anda a maior parte do tempo ao lado de Ana Paula Maria dos Santos, 18, e Bruna Sampaio, 20, com quem divide os prazeres e os problemas que lhe reservou o destino.



"Cobro quinze reais pelo programa, mas elas chegam a fazer até por dois reais. Não se valorizam", acrescentou Vanessa, ao lado das amigas, detalhando os atos a que se submete e apontando os locais onde podem ser encontradas nas madrugadas.



"Só é ruim por causa dos oprimidores (sic), que espancam a gente e tomam nosso dinheiro. O que sobra gasto com comida, refrigerante e o fumo, que também sou filha de Deus", disse, sorridente. Os 'oprimidores' seriam os policiais e outros criminosos da região, e o fumo seria "a maconha e a pedra".



Na rotina de Vanessa, diz ela, está a ajuda de um idoso morador da Praça da Sé. "Quando acordo, passo lá, tomo banho, como alguma coisa e transo com ele, depois volto às ruas". Diferente das colegas. "Elas não têm um corôa prá dar na mão".



Mas, se não tem um 'namorado', Bruna tem os pais, no bairro de Itapuã, porém, jura que não espera a ajuda da família. "Nunca. Jamais voltarei para casa. Tive problemas de família muito graves, vou morrer nas ruas", garante. A mesma mágoa de casa tem sua amiga Ana Paula. "Briguei com minha família, no Lobato (bairro) e deixei minha casa há cinco anos. Depois meus pais morreram e fiquei por aqui mesmo". Na primeira gravidez ela perdeu um casal de gêmeos e agora tem uma filha, de quatro meses, que vive com o pai, na Ilha de Itaparica.



"Profissões de rua" - Além da prostituição, outros dois tipos de prestação de serviço estão entre os mais comuns entre os usuários de crack que vivem nas ruas de Salvador: flanelinha e reciclador, ou ambos. "De dia, guardo carros, à noite, queimo a pedra e durmo, mas sempre com um olho aberto e outro fechado; é muito perigoso, como não me envolvo em coisa errada, sempre tem os invejosos", disse Anderson Andrade de Jesus, o Capenga, 28 anos (14 deles vivendo nas ruas).



"Desde que saí de casa uso a pedra, mas sou moderado. Sei que ela mata rápido, se vacilar", ressalta. Como outros usuários, Capenga diz não ter colegas que não façam uso de crack e que já viu muitos morrerem, principalmente por causa de dívidas com traficantes. Também não admite saber quem são nem onde moram os fornecedores de drogas, mas dá dicas de onde se abastece: "Mais, ali, na Rua do Gravatá (chamada de cracolândia por policiais e pelos próprios usuários), também na Rua 28 de Setembro e no Farol da Barra, mas a gente acha em qualquer lugar. Tem uns meninos aí que dão o canal e a gente pega. É só entrar dinheiro".



Ele garante que o "primeiro dinheiro" é o da comida (PF, na quentinha). "Daí compro duas pedras. Quando acaba, mais duas, e por aí vai. Se pegar muito posso ser abordado e preso como traficante ou algum policial chega e toma", explica. Natural de Feira de Santana (109 km de Salvador) e filho de lavradores, Capenga disse não saber explicar porque saiu de casa aos 14 anos.



Diferente de seu conterrâneo Edmilson dos Santos Lima, 32, que já teve casa, mulher e filhos quando era guardador de carros, no Campo da Pólvora, até viciar-se em crack, há cerca de quatro anos. "Minha família me abandonou e entrei em desgraça, acabei parando nas ruas".



E a perda da referência familiar foi também o que alegou Nivaldo Santos, 35, usuário de crack há três anos. Reciclador no centro da capital, ele disse que mora em um barraco no subúrbio de Fazenda Coutos e que passou a usar drogas assim que perdeu a mãe e o irmão. "Trabalho prá poder fumar. Já tentei parar, mas um centro de recuperação não custa menos de R$ 180 por mês. Uma freira prometeu me levar para um, mas ela nunca mais pareceu".



Anderson Capenga, Edmilson, Nivaldo, Bruna, Ana Paula, e tantos outros que se declararam usuários "da pedra", como a idosa Dalva Santos, 65, Nem, Sérgio e "Já Morreu", encontram-se quase todas as manhãs, por volta das 7 horas, na fila da Igreja de São Francisco, onde recebem um lanche para começar o dia. Mesmo cedo, geralmente, já estão entorpecidos.



Repressão - Se o Estado não acena com medidas de atendimento e tratamento a esses usuários, acaba surgindo apenas como uma mão repressora às drogas. O Departamento de Tóxicos e Entorpecentes (DTE), da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, que engloba três unidades especializadas em tóxicos), registrou, nesses 11 meses, um aumento entre 150% a 180% na circulação de crack no Estado.



"Até novembro, só as unidades do DTE apreenderam quase 23 quilos, contra 8,5 em todo o ano passado. Em Salvador houve uma alta de 140% na circulação dessa droga", informou o delegado Hélio Jorge, diretor do DTE.



Já o Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep) contabilizou 72,8 quilos apreendidos no Estado, de janeiro a setembro (dados de outubro e novembro ainda em fechamento), apesar de algumas delegacias não terem cumprido a determinação de fornecer os dados ao setor. Em 2007, o Cedep não tinha o recorte estatístico isolando as apreensões de crack. "Mas as investigações mostram que houve um crescimento de entrada em todo Estado, bem superior a 100%, por isso mais apreensões e mais prisões", afirmou Hélio Jorge.



Na última campanha eleitoral, o então candidato à reeleição (que acabou vencendo o pleito), João Henrique Carneiro, prometeu que, no segundo mandato, pretende reforçar os programas de cidadania já existentes, ampliando os espaços esportivos da cidade e fortalecendo a ação da Secretaria de Desenvolvimento Social.



"Nossa proposta é criar o Centro Público Municipal, com a função de atender os usuários de drogas que desejam abandonar o vício, especialmente aqueles que perambulam pelo Centro Histórico", garantiu, como candidato, o que a comunidade espera ver acontecer a partir de janeiro.


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