terça-feira, 28 de julho de 2009

O que podemos aprender com os cães

 

Você acredita que podemos aprender algo sobre relacionamento humano com os cães? Para subsidiar a sua resposta, permita-me lhe contar a respeito de um episódio que participei, quando fui morar no Rio de Janeiro, no final da década de 1990.

O cenário foi o bairro de Copacabana, local conhecido mundialmente pelas belezas das suas praias e das pessoas que as freqüentam. Quase todos os dias eu caminhava pelos seus largos calçadões e observava o grande número de cachorros a passear com os seus donos, onde o relacionamento afetuoso era recíproco.

Certa feita eu resolvi descansar e sentei-me num banco, onde já se encontrava uma mulher, aparentando 70 anos, acompanhada dos seus três cães, da raça yorkshire.Ela estava irradiando felicidades, através do seu sorriso e da forma como dava carinho e atenção aos seus animais.

Fiquei a observar aquela cena e rapidamente um dos cães se aproximou de mim e começou a brincar com o cadarço do meu tênis. Retribui a atenção com um breve carinho em sua cabeça, o que logo resultou no seguinte diálogo entre mim e Dona Teresa – a proprietária dos cachorros:

- Esse se chama Petico e tem por hábito gostar de brincar com as pessoas que ele percebe que estão tristes. Não me leve a mal, porém desejo saber se mais uma vez ele acertou. O Senhor está triste?

Depois de engolir a saliva, diante de uma pergunta bastante íntima, forte e direta, respondi: - Sim! Em seguida nos aproximamos um pouco mais e nos cumprimentamos.

- Muito prazer em conhecê-lo, eu me chamo Teresa. Todas as manhãs venho passear com os meus amigos, Gil, Matilde e Petico. Em seguida, os três latiram e olharam em minha direção, talvez querendo dizer muito prazer e seja bem-vindo.

Como a maioria das respostas monossilábicas tende a vir acompanhada de outra, essa não tardou e retomamos o bate-papo. Como afirmei anteriormente, Dona Teresa, esta manhã eu acordei um pouco triste, porque estou há um mês residindo no Rio de Janeiro, morando sozinho e estou com saudades dos meus familiares e amigos. Após ela solicitar que eu a chamasse pelo nome de Teresa, afirmou:

- É verdade, Carlos, morar sozinho e não conhecer ninguém é algo muito chato. Desde que nasci eu moro em Copacabana e sempre gostei de fazer amizades. Fui uma atriz de teatro e de cinema, nas décadas de 50 e 60, muito famosa e bonita. Era convidada para jantares e festas badaladas. Hoje estou longe dos holofotes e do assédio da imprensa. Digo isso para você, sem nenhum rancor, pois aprendi com os meus pais que a vida é feita de ciclos e parecida com um vale cheio de montanhas. Ora estamos no alto e noutros momentos no chão. Para resumir quero lhe dizer que daquele mundo do qual fiz parte, sinto muita falta dos verdadeiros amigos. Devo ressaltar que, embora cercada de pessoas, tive pouco amigos. O futuro me fez perceber que a grande maioria era composta de pessoas interesseiras e bajuladoras.

- Olha, Teresa, que coincidência, pois eu resolvi morar no Rio de Janeiro para estudar comunicação, mais especificamente rádio e televisão. Mas, voltando à questão dos amigos e dos relacionamentos, o que podemos aprender com os animais, mais especificamente com os cães?

- Muito, muito! Durante toda a minha vida gostei deles e uma das grandes vantagens de ter por perto um cão é a sua fidelidade, o seu carinho e atenção. Diferentemente de algumas pessoas que fazem um favor esperando algo em troca, os cães compartilham o seu amor pelo desejo de tornar o outro feliz. Eles são imbatíveis na arte de ouvir. Eu converso muito com Gil, Matilde e Petiço. Tenho convicção de que eles compreendem a minha comunicação verbal e corporal, sabem inclusive quando estou triste. Saber ouvir o outro é algo muito raro hoje em dia, você não acha?

- Concordo, Teresa. Na sua opinião, por que as pessoas gostam mais de falar e menos de ouvir?

- Talvez pelo egoísmo ou desejo de ser o centro das atenções. Sei que o mundo do cinema, televisão e do teatro, na minha época, era repleto de pessoas egocêntricas e narcisistas. Eu também fui uma dessas pessoas, notadamente no auge da minha carreira e da minha beleza. Não sei ao certo o motivo de falarmos tanto, porém, o que tenho percebido é que algumas pessoas falam muito e dizem pouco ou são completamente vazias. Outra possibilidade é que elas talvez estejam impacientes para ouvir, pois ouvir é uma arte que requer atenção e paciência, reflexão e respeito ao outro. Os meus amigos Gil, Matilde e Petico têm me ensinado muito sobre essas atitudes importantes para os relacionamentos.

- Você falou há pouco sobre o respeito. Está faltando respeito entre as pessoas?

- Sem desejar emitir juízo de valor, o que tenho observado é que a falta de respeito é a conseqüência e não a causa. As causas estão relacionadas com o crescimento populacional, a competitividade no mercado de trabalho. Com as novas tecnologias, que na minha opinião destroem mais empregos do que os criam, parece que o mundo ficou mais tenso e frio, provocando um grande corre-corre para ganhar dinheiro e sobreviver. Hoje não contemplamos mais a beleza da lua, das estrelas. Ontem você observou que a lua foi cheia e que estava belíssima?

- De fato, Teresa, eu não observei…

- Uma das vantagens da velhice é saber perceber as coisas em nossa volta. Quando estamos jovens temos por hábito fazer muito e rapidamente, não sentindo o ato da realização. É como se o objetivo principal fosse chegar ao destino e não curtir a viagem. O trabalho é parte da nossa vida, mas, não deve ser a única meta. Vivemos tão estressado e preocupado em trabalhar para conquistar bens materiais que não percebemos o tempo passar e não damos mais atenção a atos simples da vida e que fazem parte da nossa felicidade. Vejamos o amor, o carinho e atenção que os meus cães me proporcionam. Hoje eu moro sozinha, sou viúva e os meus dois filhos se casaram, um reside em São Paulo e o outro na Holanda. Gil, Matilde e Petico fazem parte da minha vida e somos cúmplices de momentos maravilhosos, a exemplo deste, onde estamos conversando sobre assuntos extremamente relevantes. A solidão é um dos maiores males deste século, você não acha?

- É verdade! Há pouco nós falamos do corre-corre, da luta pela sobrevivência e gostaria de saber se a solidão, a escassez de amor e de carinho estão relacionados com a competitividade?

- Não diretamente. A falta de amor e de carinho tem uma forte ligação com a cultura. Nós, ocidentais, prezamos muito o sucesso, a posse de bens materiais, que também são importantes. Entretanto, chega um momento em que nos sentimos vazios e necessitamos desenvolver o lado espiritual e da solidariedade. O homem não pode viver sem amor e sem carinho. Hoje os pais e filhos quase não se abraçam e se comunicam muito pouco. Quando estão em casa, é comum as pessoas irem para os seus quartos ou ficarem ligados à televisão, como se fossem estranhos habitando um mesmo teto. Estamos vivendo a fase do “descartável”. Parece que tudo é feito para durar por um curto período e depois jogar fora, tomemos como exemplo os altos índices de divórcios.

- Teresa, se fosse possível resumir em uma frase, o que podemos aprender com os cães?

- Os cães são sábios: aprenderam a essência da vida, através da arte de dar carinho, atenção e amor, de forma incondicional e sem preconceitos.

E assim encerramos aquele gostoso papo no calçadão de Copacabana, numa manhã ensolarada de domingo. Voltando à pergunta inicial, você acredita que podemos aprender algo sobre relacionamento humano com os cães?

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