sexta-feira, 12 de junho de 2009

Poder Público é cronicamente omisso com presídios, diz Celso de Mello

Agência Brasil - 11/06/2009 – 13h32

O Poder Público age de maneira irresponsável e, salvo exceções, não tem interesse em superar dificuldades que geram situações que ofendem a dignidade de condenados. Essa é a opinião do mais antigo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, que concedeu entrevista exclusiva àAgência Brasil.

Com o conhecimento de quem trabalhou por 20 anos no Ministério Público de São Paulo, muitos deles na Corregedoria de Polícia Judiciária e de presídios, o decano afirmou que as recentes denúncias de violações de direitos humanos em presídios de Estados como o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul evidenciam um quadro crítico, de caráter nacional, persistente há décadas pela omissão do Poder Público.

“Já, então, em meados da década de 70, eu fazia as mesmas denúncias que lamentavelmente são reiteradas hoje”, criticou Mello, que completou: “infelizmente o Poder Público vem se mantendo cronicamente omisso no cumprimento de seus deveres jurídicos”, acrescentou. 

Segundo o ministro, as normas previstas na LEP (Lei de Execução Penal), em geral, não têm saído do papel. Garantias básicas e o objetivo de ressocialização são desconsiderados. “No Brasil, a prática da Lei de Execução Penal tornou-se um mero exercício de ficção, porque ela impõe obrigações que o Poder Público simplesmente não cumpre. O Poder Público tornou-se infrator crônico da LEP e compromete assim direitos básicos do sentenciado”, ressaltou Mello.

O ministro constatou que, na prática, muitos presos brasileiros cumprem penas sem qualquer embasamento legal. “São impostas penas sequer previstas na legislação, como a promiscuidade, a agressão física, e isso é extremamente grave. O fato de ser condenado e privado de liberdade pela prática de crimes, não o [o preso] exclui do rol daqueles que têm acesso a direitos básicos e garantias fundamentais”, assinalou.

Mello lembrou ainda que o quadro crítico de degradação das unidades prisionais coloca o país permanentemente exposto a sofrer interpelações de organismos internacionais. “Sinto que o descumprimento reiterado pelo Poder Público, de obrigações impostas por legislação plenamente constitucional, gera uma situação absolutamente desconfortável para o Estado. A República Federativa do Brasil poderá, sim, ser acionada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, alertou.

Ao defender a urgente necessidade de uma mudança de postura do Estado em relação ao sistema penitenciário, o ministro avaliou as inspeções e mutirões carcerários promovidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), desde o ano passado, como um primeiro passo, ainda que insuficiente, para uma nova realidade.

“Mais de 2.000 pessoas que estavam sendo indevidamente mantidas presas  foram soltas graças à atuação dos mutirões carcerários. Isso é importante, um grande exemplo ao Estado brasileiro, mas é preciso mais”, concluiu Mello. 

O ministro crê que o Ministério Público tem hoje melhores condições para cobrar com  rigor absoluto a responsabilidade do Estado na questão prisional, o que, segundo ele, já foi demonstrado pela interdição de algumas unidades que abrigam detentos.

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