terça-feira, 14 de agosto de 2012

A PMESP não deixou meu marido se tratar


A PMESP não deixou meu marido se tratar


Mulher do soldado que ameaçou se jogar da torre de Congonhas, Marcela diz que o PM precisa de ajuda.

Ainda assustada com o que aconteceu com o marido, o policial militar Edvaldo Alexandre de Oliveira, de 29 anos, que em surto subiu em uma torre de sinalização do Aeroporto de Congonhas na última sexta-feira, a jovem Marcela Oliveira disse que a PM não está deixando seu marido se afastar do trabalho para um tratamento mais prolongado.

Em janeiro, Edvaldo teve surto em serviço e vem tentando fechar um diagnóstico psiquiátrico, mas os médicos da corporação ainda não permitiram que ele tire uma licença prolongada para se tratar. “Eles dão uma licença de sete dias e ele tem de se apresentar para serviços internos”, disse ela.

Marcela conversou rapidamente com o DIÁRIO quando chegava no pequeno prédio onde vive com o marido e dois filhos, na Saúde, na Zona Sul.  Sem dormir nem comer direito desde o dia do incidente, ela disse estar exausta e preocupada em proteger os filhos do assédio da imprensa.

Marcela também está revoltada com a condução policial do caso, já que Edvaldo deve ser indiciado por atentado contra a segurança de transporte aéreo. O crime é previsto no artigo 261 do Código Penal, com pena de dois a cinco anos de reclusão. Ao escalar a torre de Congonhas, Edvaldo provocou a interrupção dos voos do aeroporto por cerca de uma hora e meia e a interdição da Avenida Washington Luís, travando o Corredor Norte-Sul.

Segundo o boletim de ocorrência registrado na Delegacia do Aeroporto, o policial estava fardado, armado com uma faca e chegou a ameaçar colegas de farda que tentaram resgatá-lo. Ele tinha também uma corda amarrada em seu pescoço, segundo nota da PM.

“Não estão vendo o ser humano que está por trás desse incidente”, disse Marcela. “Ele não é criminoso, mas uma pessoa que enfrenta problemas.”

Edvaldo está internado no Hospital São Paulo, na Zona Sul, sem previsão de alta (veja abaixo trechos da conversa de Marcela com o DIÁRIO).

DIÁRIO_ Como está o seu marido?
MARCELA OLIVEIRA _ Eu não consegui falar com ele direito. Ele ainda não me disse o que aconteceu. No hospital, estão dizendo que não se lembra direito do que houve.

Edvaldo já tinha tido algum problema antes?
Em janeiro, ele teve um problema em serviço e vem tentando se tratar, mas não  consegue fechar um diagnóstico. Os médicos da PM dão um atestado de sete dias e ele tem de voltar para o serviço. Depois, dão outro atestado de nove dias e ele tem de voltar para serviços internos. Meu marido não está conseguindo se tratar direito. Ele não quer ficar à toa em casa, mas quer se tratar direito.

Como ele é dentro de casa?
O Edvaldo tem um ótimo caráter, ama o que faz, já teve muitos elogios e recebeu várias medalhas. Ninguém está livre de passar pelo que ele passou, mas o Edvaldo é uma pessoa ótima que agora enfrenta um problema. Ele quer se tratar.

Centro de Apoio Social atende os policiais com alto nível de estresse

A PM não divulgou o número de policiais afastados por problemas mentais ou emocionais. Sobre a afirmativa da mulher do PM Edvaldo respondeu:  “A Polícia Militar está envidando todos os recursos para cuidar da saúde psicológica do soldado em pauta, apurando os fatos e circunstâncias que envolvam o caso. Nossa prioridade, nesse momento é a saúde do Policial Militar”.

Segundo a PM o Centro de Apoio Social possui uma seção  destinada a dar suporte psicológico a PMs expostos a eventos potencialmente traumáticos, que podem desencadear  comprometimentos à saúde emocional.

De acordo com a PM, uma pesquisa científica feita entre  2006 e 2009 verificou que a atenção psicológica aplicada pelos profissionais do CAS é eficaz quanto à terapêutica de memórias traumáticas.  Como ação preventiva, o CAS também possui uma seção que desenvolve atividades visando reduzir os fatores de risco que possam levar o PM ao adoecimento emocional. Além disso, o PM (por conta própria) pode agendar atendimento clínico psicológico.

O presidente da Associação dos PMs Portadores de Deficiência, Élcio Inocente, diz que a pressão do serviço de risco, a carga horária dobrada devido ao “bico”, a falta de lazer e de convívio com a família levam o policial a um nível alto de estresse.

O deputado Major Sérgio Olímpio Gomes afirmou que a PM não tem estrutura suficiente para atender a demanda de policiais com problemas psicológico. “Temos um monte de talibãs por aí”.

Profissão é mais propensa à tensão laboral

A profissão de policial é uma das que mais causam estresse e problemas psicológicos decorrentes do trabalho. A afirmação é do psicólogo Odair Furtado, professor da PUC-SP e especialista em psicologia do trabalho. Segundo o psicólogo, o que o policial militar Edvaldo Alexandre de Oliveira teve não foi necessariamente um surto psicótico, mas uma reação de estresse chamada no jargão psiquiátrico de “tensão laboral”.

“Ele já tinha tido um problema anterior e estava afastado das suas funções normais, em serviços internos”, disse. “Isso já causa uma baixa na autoestima e uma crise de identidade que pode ter desencadeado sua reação inesperada naquela sexta-feira. Nenhum policial gosta de ser afastado das suas funções normais. Ele se sente desvalorizado.”

Segundo o professor Hartmut Günther, do Departamento de Psicologia da UnB (Universidade de Brasília), especialista em estresse no trabalho, são comuns os casos que evidenciam o cotidiano de fadiga emocional e psíquica de membros da segurança pública.

“Eles são suscetíveis ao estresse como todos nós e, geralmente, trabalham sob pressão, correndo risco de morte.  A diferença entre eles e os outros profissionais é que eles têm acesso a armas, o que pode provocar tragédias”, afirmou.

DIÁRIO opina

Quem cuida?

O surto do soldado Edvaldo reflete a forma descuidada com que as doenças mentais são tratadas no Brasil. A saúde pública parece reforçar a tendência cultural de se culpar o paciente por distúrbios psiquiátricos. Ciente do estresse a qual a tropa está submetida, a PM não deveria apressar a alta a alguém que, pelas atitudes, mostra ainda precisar de cuidados.


FERNANDO GRANATO
fernando.granato@diariosp.com.br


Acesse o Artigo Original: http://www.uniblogbr.com/2012/08/a-pmesp-nao-deixou-meu-marido-se-tratar.html#ixzz23ZEGHqsg

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