terça-feira, 9 de julho de 2013

Carta aberta das ruas para a (grande) mídia

Carta aberta das ruas para a (grande) mídia

Por Ewerton Monteiro em 09/07/2013 na edição 754
Depois dos protestos que mobilizaram milhares de pessoas em várias cidades Brasil afora, onde um tiquinho da conta de indignação por “tudo que está aí” caiu no colo de “meio mundo” – culpados ou não –, nem o futebol escapou. As inevitáveis (e algumas equivocadas) mudanças, ou propostas de mudanças seguem ao calor das ruas. Foi assim com as agências policiais, ora minimizando (naturalmente), ora refutando e em alguns momentos até aceitando (?) e chamando-nos para um debate (que vai da desmilitarização às formas de “combate” e controle menos danosos), coisa mais que urgente, mas mais complexa ainda.
Assim, bem ou mal, foi também como agiram os políticos, primeiro na figura oficial do governo, com seus pronunciamentos e propostas; e de igual forma o Congresso, nas votações e debate que permeiam o ambiente.
Com pautas mais diversas possíveis, chegando a ser opostas entre si (o que me levou a vários questionamentos particulares, diga-se de passagem, quanto à coerência e minha “participação” em tais debates e manifestações), o movimento teve/tem lá seus consensos, seja entre manifestantes de esquerda ou de direita (e “apartidários”) e a cobertura (im)parcial da imprensa é um deles, por vezes representados em gritos de ordem, ou/e em faixas e cartazes, mas sobretudo nas redes sociais. De todos os seguimentos cobrados nas manifestações, talvez a grande mídia tenha sido o único a não fazer sua mea-culpa, quanto às “cobranças” e o repúdio popular. A bem da verdade, em principio até ensaiaram (talvez pelos ataques sofridos, mas...), para logo em seguida retomaram a posição inicial e habitual.
Credibilidade minada
Na segunda-feira (1/7), cento e cinquenta jornalistas da Rede Globo encaminharam abaixo assinado ao sindicato da categoria repudiando as “manifestações violentas” sofrida por eles nas manifestações pelo país. Pois bem, ou o recado não foi claro, ou não quiseram entender – e talvez só a mídia não esteja entendendo, na verdade a grande mídia, detentora dos jornalões, revistas nacionais e das TVs. Pois a insatisfação da sociedade com os trabalhos desempenhados fervilha no ceio do movimento. Afinal, foi aFolha (esta com o maior número de jornalistas feridos por policiais) e Estadão que pediram, em editoriais, mais polícia e, assim, mais repressão no inicio dos protestos. Foram Veja e Globo (este com o emblemático artigo de Arnaldo Jabor – que virou piada na Argentina), que desqualificaram os manifestantes como sendo simples vândalos e não noticiando (às vezes, escondendo) as atuações violentas e arbitrárias das polícias.
É essa mesma imprensa que cotidianamente legitima ações policiais (questionáveis) em favelas e deslegitima as mesmas em áreas nobres da cidade. Rodrigo Pimentel, comentarista da TV Globo disse: “Isso é desastroso, uma arma de guerra. Uma arma de operação policial em favelas, não é uma arma pra ser usada no ambiente urbano...”, levando-nos a crer que favelas são em Marte. Da mesma forma, outro jornalista da casa, Jorge Moreno, colunista de O Globo, declarou em seu Twitter: “Crianças dormindo acordaram tossindo por causa do gás de pimenta e das bombas jogadas contra o Leblon. Desta vez, as coisas forma longe demais.” Bom, na Favela da Maré, pode, né? E assim seguem as coberturas jornalísticas, seja em protestos onde são apenas vândalos contra tudo e todos, por nada ou por “alguns vinténs”, seja no dia-a-dia dos mais desfavorecidos, onde os autos de resistência constroem mocinhos e bandidos e são aceitos como “versões oficiais” – por isso mesmo tendo mais destaque, quando não são a única informação do ocorrido.
E assim vimos cenas de repórter da Band ameaçado; unidade móvel do SBT e de afiliada sendo atacados; carro da Record incendiado... E a Globo, que teve o maior número de ataques a repórteres (nem o Caco Barcellos, que no geral “destoa” da política da casa, escapou dos protestos agressivos) a sede da emissora, o que levou profissionais a trabalhar sem o logo da emissora ou fazendo tomadas de helicóptero. Partindo do pressuposto de que os protestos eclodiram não apenas pelos 20 centavos (sendo estes apenas o estopim), mas sim, pelo acúmulo de incongruências, é óbvio também afirmar que a “revolta” contra a imprensa – notadamente a televisiva, pois essa “tem cara” – não foi apenas pela cobertura parcial e tendenciosa das manifestações, mas pelo acúmulo de coberturas desse quilate. Portanto, esconder verdades mina a credibilidade, implantar o medo nas pessoas, dando visibilidade excessiva às ações questionáveis (ou não) dos ditos vândalos para justificar excessos policiais é corroborar com a lei do silêncio, uma censura, algo tão temerário para a sociedade quanto para própria imprensa e que favorece apenas o “inimigo” comum.
Convivência libertadora e digna
Claro que impedir jornalistas de trabalharem é um fato grave, um absurdo antidemocrático, tanto quando perpetrado por policiais como por manifestantes. Não há soluções fáceis, ou mágicas, e todos podem (e devem) buscar formas para convivência com os múltiplos direitos, seja sufocando movimentos fascistas ou divulgando movimentos ilícitos da sociedade.
E se o ocorrido tem o condão de trazer luz e nortear o caminho das autoridades para compreender e atender o desejo da sociedade, a imprensa pode também observar e seguir esse exemplo, muito pela credibilidade de suas empresas, pela instituição imprensa e, no mínimo, pela segurança de seus colaboradores, pois a imprensa é feita de pessoas (que não deixam de correr riscos). Nesse sentido, a convivência pode ser profissional, libertadora e digna. Exceto para o avestruz que não sobrevive, já que insiste em ficar com a cabeça enterrada.
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Ewerton Monteiro é policial militar, bacharel em Direito, pós-graduando em Gestão em Segurança Pública e graduando em História

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