quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ousada, Deborah Duprat se destaca como a primeira mulher no comando da PGR

Daniella Dolme - 24/12/2009 - 09h30

Gil Ferreira/SCO/STF

PIONEIRA: Duprat tirou da gaveta casos antigos e propôs ações polêmicas

Não teve para ninguém. Este ano, a personalidade em destaque no mundo jurídico, empenhada e sagaz, foi sem dúvida Deborah Duprat de Britto Pereira, durante sua atuação como procuradora-geral da República interina. Pelaprimeira vez na história do país, uma mulher comandou a PGR (Procuradoria Geral da República), no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), no período de transição entre a saída de Antônio Fernando Souza e a posse de Roberto Gurgel, escolhido pelo presidente Lula como novo procurador-geral.

A série Retrospectiva Jurídica 2009 da revista Última Instância apresenta aos leitores os debates e fatos mais marcantes do ano no Judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal e suas polêmicas decisões, a crise no sistema carcerário do país, os diversos escândalos de corrupção no Legislativo e a virtualização de processos serão alguns dos temas em análise.

Não demorou três dias para que a nova procuradora-geral mostrasse a que veio: logo no dia 2 de julho, Deborah Duprat ajuizou uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) a favor do casamento entre homossexuais, sob o argumento de que está previsto pela Constituição condições iguais entre os indivíduos heteros e homossexuais para formação de família. “Porém, ao homossexual, a mesma possibilidade [de se casar, constituir união estável, sob a proteção do Estado] é denegada, sem qualquer justificativa aceitável”, declarou na ação.

Entretanto, ao levar a ação ao STF, Duprat recebeu do ministro Gilmar Mendes um pedido para que os argumentos da ADPF fossem melhor delimitados e especificados, sendo que a complementação deveria ser entregue no prazo de 10 dias. Segundo declarações do presidente da Corte, de qualquer forma, esse não era o caso de uma decisão urgente para ser julgada no período de recesso.

No mesmo sentido, a procuradora apoiou a ação proposta pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, cujo texto pedia para que o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, também fosse aplicado às uniões homoafetivas no Estado, para beneficiar os funcionários públicos civis. Dessa forma, Duprat ainda acrescentou em suas recomendações ao Supremo que a medida fosse estendida ao restante do país. Segundo Mendes, a ação será julgada pelo plenário “em momento oportuno” —o que, até agora, não aconteceu.

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Transexuais

Na defesa dos direitos dos transexuais, Deborah Duprat pediu ao Supremo que fosse garantido a eles o direito de trocar de nome mesmo que ainda não tenham realizado a operação de mudança de sexo, sob o argumento de que a vedação à autodefinição dos transexuais fere os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e da privacidade.

Para Duprat, desde que submetidos à avaliação psicológica, não há problema em fazer a troca, sendo que a legislação já autoriza o feito, a fim de proteger o indivíduo de humilhações e, portanto, isso deveria ser estendido aos documentos civis. “Impor a uma pessoa a manutenção de um nome em descompasso com a sua identidade é, a um só tempo, atentatório à sua dignidade e comprometedor de sua interlocução com terceiros, nos espaços públicos e privados”, acredita a procuradora.

Aborto de anencéfalos

Em assuntos polêmicos, Duprat estava se tornando especialista. Logo após a ação a favor da união homoafetiva e dos transexuais, a procuradora surpreendeu com o parecer favorável ao aborto de anencéfalos, batendo de frente inclusive com crenças religiosas.

No entendimento de Duprat, é direito da mãe se submeter ao procedimento, sem necessariamente ter que obter licença do Estado para tanto. “A este cabe apenas garantir os meios materiais necessários para que a vontade livre da mulher possa ser cumprida, num ou noutro sentido”, declarou.

A matéria é discutida na Corte por meio da ADPF 54, de autoria da CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) e relatada pelo ministro Marco Aurélio.

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Marcha da maconha

A busca por debates inflamados parecia sem fim. No seu último dia como procuradora-geral interina, Deborah Duprat decidiu questionar no STF (Supremo Tribunal Federal) decisões judiciais que vinham proibindo atos públicos pró-legalização das drogas, como a liminar que suspendeu a Marcha da Maconha em São Paulo, em abril deste ano.

De acordo com ela, as decisões estão baseadas em um argumento equivocado de que a defesa da legalização constitui apologia ao crime. Na verdade, a liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais do sistema constitucional brasileiro, “um pressuposto para o funcionamento da democracia”, afirmou.

Em duas ações impetradas no Supremo, Duprat pediu para que fossem concedidas liminares a fim de suspender, até o julgamento final, qualquer decisão que pudesse levar à criminalização da defesa da legalização das drogas, inclusive através de manifestações e eventos públicos.

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Regularização fundiária da Amazônia

Contrariando também o governo, Deborah Duprat não tardou em ajuizar uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) questionando artigos da Lei 11.952/2009, que trata da regularização fundiária de posses naAmazônia Legal e foi baseada na MP (medida provisória) 458. Segundo avaliação da procuradora, o texto da lei deixou brechas para “privilégios injustificáveis em favor de grileiros que se apropriaram ilicitamente, no passado, de vastas extensões de terra pública”.

Outras manifestações

Menos polêmicas, mas não menos importantes, durante o mês como procuradora-geral, Deborah Duprat também moveu ações referentes à permanência de cães-guias em estabelecimentos, a regulamentação da profissão de músico e o acesso de militares à Justiça.

Segundo ela, os artigos 2º e 6º da Lei paulista 10.784/2001, que trata sobre o ingresso e a permanência de cães-guia em locais públicos e privados, exigem registro do animal na Federação Internacional de Cães-Guia, bem como o reconhecimento de instrutores, treinadores e família de acolhimento pela mesma entidade. Entretanto, esses artigos seriam iguais aos dispositivos da Lei federal 11.126/2005, que foram vetados pelo presidente da República.

“Os dispositivos federais foram vetados porque obrigavam o proprietário do cão-guia ou seu instrutor/adestrador a se filiarem à Federação Internacional de Cães-guia, em evidente ofensa aos direitos de livre associação (artigo 5º, XVII e XX, da Constituição Federal) e de livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, XIII, da CF)”, afirmou.

Dessa forma, a procuradora-geral da República pediu medida liminar para solucionar a questão, já que, ao aguardar a decisão definitiva da ação, corria-se o risco de se negar o direito de ir e vir aos portadores de deficiência visual.

Com argumentação semelhante à utilizada na ação que levou ao fim da exigência de diploma para jornalistas, Deborah Duprat ajuizou uma ADPF para acabar com a regulamentação da profissão de músico.

Para a procuradora-geral, a Lei 3.857/60, que criou a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) e estabeleceu requisitos para o exercício da atividade, é incompatível com a Constituição, afinal tanto as restrições profissionais, como a fiscalização da atividade com poder de polícia são incompatíveis com a liberdade de expressão artística e com a liberdade profissional.

Ácida em seus comentários, Duprat ponderou: “se um profissional for um mau músico, nenhum dano significativo causará à sociedade. Na pior das hipóteses, as pessoas que o ouvirem passarão alguns momentos desagradáveis”. Segundo seu entendimento, não cabe ao Estado ditar de forma arbitrária e autoritária o gosto do público, pois “em matéria de arte, o que é péssimo para alguns pode ser excelente para outros”.

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Também no alvo de questionamentos propostos por Deborah Duprat esteve a lei que limitou o acesso à Justiça por parte dos militares. A procuradora-geral da República ajuizou uma ADPF contra o artigo 51 (parágrafo 3°) da Lei 6.880/80, cujo dispositivo prevê que o militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ao Judiciário após ter esgotado todos os recursos administrativos. Além disso, deverá informar antecipadamente sobre a ação à autoridade a qual estiver subordinado.

No entendimento da PGR, essa limitação leva os militares das Forças Armadas a sofrerem sanções disciplinares antes de exercerem o seu direito fundamental de recorrerem ao Judiciário. “A exigência de esgotamento de instância administrativa é incompatível com o princípio constitucional da inafastabilidade do controle judicial”, alegou a procuradora.

Vice-procuradora-geral da República

Depois de passar 30 dias no comando da PGR, a mulher que entrou para a história em matéria de pioneirismo passou o martelo adiante e entregou o cargo a Roberto Gurgel.

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Entretanto, se depender de Deborah Duprat, essa amostra foi só o começo. Atuando como vice-procuradora-geral da República, ela ainda promete acender os debates do STF com discussões importantes e atuais, que muitas vezes os ministros preferiam jogar para debaixo do tapete por serem questões difíceis de se chegar a algum acordo. Mas ela não: Deborah Duprat gosta mesmo do desafio.

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